Os efeitos sucessórios com a equiparação da União Estável ao Casamento
O Supremo Tribunal Federal – STF, concluiu em maio de 2017 o julgamento que discutia a equiparação entre cônjuge e companheiro para fins de sucessão, considerando ainda as uniões homoafetivas. Sem votação unânime, a decisão foi proferida no julgamento dos Recursos Extraordinários (REs) 646721-RS e 878694-MG, tendo ambos a repercussão geral reconhecida. No julgamento, os ministros declararam a inconstitucionalidade do artigo 1.790 do Código Civil, que instituía o regime sucessório aplicado a união estável.
Os recursos julgados abordavam tanto a união heteroafetiva (RE 878694-MG), quanto a união homoafetiva (RE 646721-RS).
O artigo 1.790 do Código Civil dispõe que o companheiro sobrevivo participa da herança sobre os bens havidos onerosamente durante a vida em comum com o falecido parceiro, e receberá a totalidade da herança se não houver descendentes ou outros parentes sucessíveis.
O ministro Luís Roberto Barroso, relator do RE 878694-MG, sustentou que o Supremo Tribunal Federal – STF em decisões anteriores já equiparou as uniões homoafetivas às uniões ditas “convencionais”, e que o Código Civil, apesar de datar do ano de 2002, foi fruto de debates realizados entre os anos 1970 e 1980, assim, chegando atrasado nos assuntos que tange o aspecto família, e defendeu a seguintes tese: “no sistema constitucional vigente, é inconstitucional a distinção de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros, devendo ser aplicado, em ambos os casos, o regime estabelecido no artigo 1.829 do Código Civil de 2002”.
O Tribunal chegou a conclusão de que não existe elemento de discriminação que justifique o tratamento diferenciado entre o cônjuge e o companheiro, estabelecido pelo Código Civil, interpretando de forma extensiva, amplificando os efeitos independentemente da orientação sexual. Destarte, deverá ser aplicado tanto na hipótese de casamento quanto na de união estável heteroafetivo ou homoafetiva, o regramento do artigo 1.829 do Código Civil.
No RE 646721-RS, o relator, ministro Marco Aurélio, votou pelo desprovimento ao recurso, e foi seguido pelo ministro Ricardo Lewandovski, porém foram votos vencidos. Para o relator, equiparar a sucessão na união estável à sucessão no casamento trará consigo graves impactos sociais, e advertiu “a prevalecer a ótica direcionada [da equiparação dos institutos], é possível que ocorram efeitos perversos e contrários à proteção da união estável e aos casais de companheiros”.
A tese de inconstitucionalidade do artigo 1.790 do Código Civil, em breve análise, é que a Constituição Federal trata a União Estável como entidade familiar. Casamento é entidade familiar. Seria então uma afronta ao princípio da igualdade diferenciar o regime sucessório de União Estável e Casamento, uma vez que estaria tratando com desigualdade a dois iguais.
Conforme entendimento de Regina Beatriz Tavares da Silva, há três equívocos sobre tal raciocínio: 1) a Constituição Federal equiparou a união estável ao casamento, mas não os igualou; 2) ignorar os quadrantes do dispositivo constitucional do artigo 226 §3º “para efeito da proteção do Estado...”; 3) os recursos julgados tratavam de relações de 40 e de 9 anos, porém tem repercussão geral, assim, relações em que o lapso temporal seja de apenas 2 anos com o falecido, este herdará o mesmo quinhão do patrimônio que o filho do de cujus, provocando um resultado sucessório injusto e desproporcional.
Na mesma linha de pensamento, o Professor Christiano Cassettari não vê justificativa para que haja no ordenamento jurídico dois relacionamentos com nomes distintos e as mesmas características: “Só se justifica colocar no ordenamento duas formas de constituição de família se elas tiverem regras, consequências e efeitos diferentes. Se for para colocar o mesmo efeito, então é melhor revogar a união estável e todo mundo casar”, argumenta.
Favorável à decisão, Maria Berenice Dias, acredita que a equiparação deveria se dar pela União Estável e não pelo Casamento, além de vislumbrar que a novidade pode trazer um enorme prejuízo à questão do estado civil, pois no casamento o estado civil é o de casado, e na união estável, o de solteiro. Argumenta ainda: “Como um solteiro pode vender um bem no nome de outra pessoa? Eu acho que precisava se adotar a base de cálculo da concorrência sucessória da união estável, mas de resto, acho favorável”.
Um ponto importante a ser citado, é que a decisão do tribunal será aplicada somente às partilhas que ainda não foram determinadas, ou seja, não atinge e não caberá recursos a partilhas já estabelecidas.
Casamento e União Estável são formas distintas de constituição do seio familiar, e de plano, não existe hierarquia entre as formas, não há uma melhor que a outra. Mas se o texto legal nos trás que a lei deve “... facilitar sua conversão em casamento”, parece claro que a união estável possui diferenças em relação ao matrimônio, não quanto a sua essência, mas sim quanto aos seus efeitos. A essência ou o objetivo de ambos é a constituição de família, mas até a forma para se alcançar é diversa, visto que a união estável se consuma no decurso do tempo, com uma relação contínua, pública e notória, de forma duradoura, elementos esses não exigidos pelo casamento, que se consuma com a aquiescência, dada perante o juiz.
De certo, uma decisão dessa profundidade tende a repercutir opiniões diversas, e como ponto positivo fica a fixação de um parâmetro, pois é descabido o fato de existirem várias correntes sobre um mesmo assunto, com cada magistrado decidindo à sua maneira, criando um cenário de insegurança jurídica.
Assim sendo, dois pontos importantes deverão ser observados à partir dessa decisão:
1. Inventários: Essa regra se aplica a todos os casos de inventários ainda não lavrados. Destarte, esse entendimento deve prevalecer em toda e qualquer escritura que seja feita doravante, ignorando inventários já estabelecidos;
2. Testamentos: O companheiro não pode ser mais excluído da herança, devendo lhe ser resguardada a legítima parte;